quarta-feira, 3 de junho de 2015

Resenha – NA SOLIDÃO DA NOITE (Dead of Night, 1945)

Fiquei pensando por um bom tempo sobre qual seria o melhor filme para estrear esta seção do blog, onde farei pequenas resenhas de filmes interessantes, assustadores, incomuns, estranhos, desconhecidos ou apenas bons. Cogitei fazer uma resenha sobre algum clássico do Dario Argento (um dos meus diretores favoritos, responsável por obras-primas como Prelúdio para Matar, Suspiria e Phenomena); tive a ideia de falar a respeito de algum filme de terror conhecido e apreciado pelo grande público (como, por exemplo, Jogos Mortais ou A Hora do Pesadelo); passou pela minha cabeça fazer uma lista com os filmes feitos a partir do ano 2000 que considero mais aterrorizantes e inovadores, para mostrar que os bons filmes de terror não estão apenas no passado, mas que eles continuam sendo feitos, e cada vez com maior qualidade, apesar de já não serem mais tão populares (Alta Tensão, Sobrenatural, Annabelle, Mártires, Mar Negro, Mama e Uma Noite de Crime – apenas para citar os mais famosos de que me lembro agora – não me deixam mentir!).

Com tantas possibilidades em mente, pensei, pensei, pensei e acabei não chegando a conclusão nenhuma. Todas as ideias me pareciam boas o bastante, e eu não tenho muito daquela frescura de que “o primeiro post tem que ser o ideal, tudo tem que ser perfeito”. Acho que o importante é começar de alguma forma, e começar bem, mas buscar melhorar cada vez mais e ir aprendendo com os erros e acertos. Afinal, não quero que este seja um blog de um post só, não é mesmo?

Foi por isso que, ontem, quando assisti pela primeira vez ao filme inglês Na Solidão da Noite (Dead of Night, 1945), tive a certeza de que seria ele o escolhido para inaugurar esta página dedicada ao cinema de qualidade.

Mas chega de conversa fiada, vamos ao filme!

Pôster de "Na Solidão da Noite", de 1945.

A sinopse: Um arquiteto que sofre com pesadelos constantes é convidado a passar um fim de semana no campo. Ao chegar lá, encontra as pessoas de seus pesadelos, as quais começam a lhe contar histórias horripilantes.

Na Solidão da Noite é um filme muito inovador para a época em que foi lançado (1945). Assustador sem exageros (estamos falando da década de 40, quando os filmes nem tinham sangue ainda!), divertido, inteligente, instigante e maluco de um jeito criativamente peculiar, esse filme é, hoje, considerado um clássico do terror e um precursor de uma linha de filmes muito adorada pelos fãs do gênero até os dias atuais: os filmes que reúnem várias histórias diferentes, mas ligadas por uma trama principal que funciona como o fio-condutor para as outras.

Filmes assim, de junção de episódios quase independentes, tornaram-se consideravelmente populares nas décadas seguintes, como, por exemplo, em No Limite da Realidade (Twilight Zone – The Movie, 1983) e Creepshow (idem, 1982), e pode-se dizer que todos esses filmes divertidíssimos beberam na fonte de Na Solidão da Noite, tanto em forma quanto em conteúdo. E, aqui entre nós, eu não tenho certeza, mas, se tivesse que apostar, entregaria todas as minhas fichas para dizer que o Stephen King deve assistir a esse filme pelo menos uma vez por ano. A influência é notória!

Um dos episódios de Na Solidão da Noite conta a misteriosa história de um espelho que não reflete exatamente a realidade...

Mas os pontos positivos não param por aí: as histórias de Na Solidão da Noite são daquelas que extraem eventos extraordinários de situações e objetos triviais do dia-a-dia (como de um espelho, de uma festa de natal e de um boneco de ventríloquo – sobre o qual falarei mais tarde). Além disso, o filme tem forte influência do cinema de Alfred Hitchcock e não teme mesclar terror sobrenatural de ótima qualidade com explicações científicas plausíveis e uma pitada bem bacana de humor.

Todos os cinco contos que compõem o filme são legais, bem escritos e bem dirigidos, mas o astro da festa é, de longe, o episódio que envolve o ventríloquo Maxwell Frere e seu boneco Hugo Fitch. No começo, vemos Maxwell em uma divertida apresentação com o boneco, mas logo percebemos que há algo de errado ali. Por indícios muito sutis e macabros, passamos a desconfiar que, na verdade, é Hugo quem está controlando Maxwell, e não o oposto. Ao longo da trama muito bem desenvolvida, a tensão em torno do boneco sinistro vai crescendo e mexendo com nossa imaginação, o que culmina em um desfecho igualmente aterrorizante e revelador.

Maxwell Frere (Michael Redgrave, em ótima interpretação) e seu sinistro boneco Hugo, em cena do filme.

O único ponto negativo que encontrei no filme foi que, como ele é composto por vários contos diferentes, em alguns momentos de transição entre uma história e outra o filme pode se tornar um pouco cansativo, mas nada que atrapalhe essa maravilhosa experiência cinematográfica. E o episódio sobre dois jogadores de golfe, apesar de não ser ruim, destoa um pouco do restante do filme com uma comicidade que anula qualquer medo que pudesse surgir da história, mas, por outro lado, serve para dar uma variada revigorante (e, talvez, até necessária) no tom da película.

Por fim, como se trata de uma obra antiga e em preto e branco, o filme não é indicado para todas as pessoas, em especial para aquelas que querem um show frenético de efeitos especiais com explosões e sustos baratos e imediatos. Para quem quer uma história bem construída, divertida, cativante e misteriosa, cheia de surpresas e cenas memoráveis, no entanto, Na Solidão da Noite é uma dica que vale a pena ser levada a sério!

Hugo, se passando por um boneco simpático e engraçadinho, no começo do episódio.

Curiosidades:

- No filme Gritos Mortais (Dead Silence, 2007), do excelente diretor James Wan (o gênio responsável por Jogos MortaisSobrenaturalInvocação do Mal e Annabelle), há um boneco muito semelhante ao Hugo de Na Solidão da Noite. Uma agradável homenagem de um dos melhores diretores de terror da atualidade a um dos maiores clássicos do cinema inglês;

- O melhor dos episódios do filme (O Ventríloquo Idiota) foi dirigido pelo brasileiro Alberto Cavalcanti.


Hugo Fitch (provavelmente desejando bons sonhos para os espectadores, hehehehe...).
Ficha técnica: 1945 / Reino Unido / P&B / 103 min / Direção: Alberto Cavalcanti, Charles Crichton, Basil Dearden, Robert Hamer / Roteiro: John Baines, Angus MacPhail (baseados em histórias de H. G. Wells, E. F. Benson, John Baines, Angus MacPhail) / Produção: Michael Balcon, Sidney Cole e John Croydon (Produtores Associados) / Elenco: Mervyn Johns, Roland Curver, Michael Redgrave, Mary Merrall, Googie Withers, Frederick Valk.

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