sábado, 21 de maio de 2016

Fernando Nery entrevista Melvin Menoviks


Entrevista super completa que concedi ao Fernando Nery, do blog Filósofo dos Livros, no dia 21/05/2016:

- Filósofo dos Livros: Olá, Melvin Menoviks! Agradeço a você por conceder essa entrevista ao Blog Filósofo dos Livros. Gosto de começar sempre pelo início literário do autor. Como você criou o gosto pela leitura e o que o levou a se tornar um escritor?
- Melvin Menoviks: Olá, Fernando! Eu é que agradeço pela oportunidade e pelo seu interesse em conhecer mais desse esquisito ser chamado Melvin Menoviks!
Bem, isso pode ser bastante estranho de se ouvir de um escritor, mas eu comecei a ler bem tarde em minha vida. Ouço histórias por aí de pessoas que com doze anos já haviam lido todos os romances do Conan Doyle e que, com catorze, liam em média um livro grosso por mês. Acho legal quando ouço tais relatos, mas essa não foi minha realidade: como eu nunca tive grande influência em casa para ler e como nasci em uma cidade pequena que não tem uma única livraria em todos os seus três quarteirões [risos], acabei não desenvolvendo o hábito da leitura quando criança. Além disso, os livros que me eram disponíveis nessa época não me chamavam a atenção e eu facilmente ficava entediado com eles, de modo que minha mente inquieta se interessava mais por filmes, jogos e outras formas de entretenimento que não envolvessem páginas de livros com bichinhos coloridos e histórias bonitinhas (com exceção dos gibis, que eu lia com frequência). Apesar de isso ter sido algo que tornou mais tardio o desenvolvimento de minha compreensão sobre a literatura, por outro lado foi exatamente isso que favoreceu o crescimento de uma imaginação mais livre e individualizada: de certa maneira, para mim foi mais fácil fugir da influência dos clichês e eu pude aproveitar o tempo livre da infância para explorar outros assuntos que, depois, vieram a influenciar decisivamente na minha escrita.
Durante a adolescência, apaixonei-me pelo cinema, e com cerca de catorze anos pus-me, sem dinheiro algum, a fazer filmes independentes com os meus amigos. No começo eram filmes amadores de péssima qualidade, mas depois fomos aprimorando nossas habilidades e contornando os obstáculos com criatividade e audácia até conseguir (ainda sem dinheiro, equipamento adequado, cenários apropriados ou atores experientes) filmar alguns curtas-metragens melhores, com os quais fiquei plenamente satisfeito. Mesmo assim, o cinema me era demasiadamente limitante, e sempre me foi óbvio que sem dinheiro é impossível fazer filmes que as pessoas virão a assistir e a apreciar de verdade. Ademais, o cinema também apresenta a dificuldade de ser uma construção coletiva, que depende de esforço coletivo, e não apenas da minha força de vontade.
Nesse meio tempo, por uma espécie de atração natural que eu não sei explicar, entrei em contato com a obra de Edgar Allan Poe, e, apesar do vocabulário difícil, ela exerceu grande fascínio sobre mim. Depois, um amigo me apresentou uma coleção de contos macabros organizados pelo Alfred Hitchcock e, a partir daí, compreendi que os livros não são escritos por seres abençoados que só vivem no passado ou no exterior, distantes de mim, intocáveis e cheios de talento, mas por gente real, como eu e você, que simplesmente se dedicou a passar uma ideia para o papel e que assim o fez (isso sem a necessidade de câmeras, equipamentos de iluminação e toda a parafernália do cinema, já que escrever precisa tão somente de dois materiais: caneta e papel). Então, aventurei-me na criação literária.
Assim, foi escrevendo que adquiri grande amor pela leitura. Do mesmo modo que havia acontecido com o cinema, foi fazendo literatura pelas minhas próprias mãos que eu encontrei a verdadeira beleza dos livros: escrevendo, aprendi a ler; fazendo filmes, aprendi a assistir aos filmes. Não estou dizendo que eu não lia livros ou via filmes antes disso. Estou dizendo, apenas, que, ao me aventurar nos processos de criação, adquiri uma compreensão maior do que lia e via, e isso abriu não apenas minha mente, mas toda a minha alma para um mundo muito, muito maior. Um mundo belo, mágico e fantástico, repleto de mistérios e surpresas deslumbrantes.
Como uma evolução natural, passei a ler com mais frequência, e também a escrever com maior paixão. Desde então, nunca mais parei, e posso afirmar que, se eu parar, estarei morto como uma pedra sem cor no fundo de um oceano frio.

- Filósofo dos Livros: Sua família achou estranho o fato de você começar a escrever? Você teve apoio dela? Aliás, as pessoas lhe acham diferente por você ter escrito “A Caixa de Natashae outras histórias de horror”?
- Melvin Menoviks: Sempre tive total apoio da minha família e dos meus amigos em tudo o que fiz. Embora meus pais não tenham me influenciado a ler quando criança, eles nunca atrapalharam o livre desenvolvimento de minha personalidade e sempre me deram toda a base necessária para esse desenvolvimento. Essa postura por parte deles eu considero muito melhor do que se eles tivessem me coberto de livros e mais livros ou me obrigado a seguir determinado caminho sem opção de escolha, mesmo que fosse “para o meu próprio bem”. Se eles tivessem feito isso, minha rebeldia inata teria feito com que eu seguisse o caminho oposto, só pela perversa vontade de “quebrar a norma”, e então todo o esforço teria sido em vão.
Quando comecei a escrever, ainda sem qualquer pretensão de publicar um livro, acredito que tenha sido um pouco assustador para os meus pais, mas, como eles já estavam acostumados com a minha personalidade estranha e com meu envolvimento ainda mais estranho com o cinema de horror e com o surrealismo, eles aceitaram numa boa. No entanto, meu primeiro conto, que ficou violentíssimo, causou certo choque neles, e minha mãe brinca, não sem um fundinho de verdade (talvez com muita verdade!), que ela chegou a cogitar me levar em um psicólogo por causa do que eu escrevi [risos].
Quanto se as pessoas me acham diferente por eu ter escrito um livro de terror, é difícil dizer... Quem vai saber o que se passa na cabeça das outras pessoas? Minha primeira chefe, quando fui estagiário na Defensoria Pública do Estado do Paraná, confessou que, ao acessar meu facebook e ver as coisas de terror que eu postava nele, ficou preocupada e não queria que eu fosse estagiário dela. Por sorte ela não deixou o preconceito falar mais alto: na entrevista ela gostou de mim e, com o passar dos dias, gostou também do meu trabalho. Não demorou muito para ela perceber que minhas preferências artísticas não afetavam em nada meu profissionalismo, e em pouco tempo nos tornamos grandes amigos, apesar de ela não gostar nem um pouco de filmes ou livros de terror (até hoje ela não sabe quem é Stephen King ou Edgar Allan Poe, e nem sonha com a existência de Lovecraft).
Fora isso, gosto de acreditar que as pessoas que convivem comigo já estão familiarizadas com as peculiaridades do meu jeito de ser e que elas respeitam minha maneira atípica de olhar para a realidade. Contudo, sinto que ainda existe, sim, um certo distanciamento entre mim e as outras pessoas e que elas me consideram um pouco “diferente” delas. Mas esse distanciamento não é do tipo que as afasta de mim por aversão, mas do tipo que gera uma espécie de compreensão respeitosa por eu encarar o mundo de uma forma diferente das delas. Mas talvez eu esteja enganado nesse ponto e isso seja apenas fruto da minha imaginação... Como eu disse, nunca se sabe o que se passa na cabeça das pessoas.

- Filósofo dos Livros: Um livro de Horror, obrigatoriamente, precisa causar medo em seus leitores?
- Melvin Menoviks: Sim! Se não causar medo, ou, pelo menos, não tiver a intenção de causar medo (pois a percepção do medo varia de leitor para leitor), não será um livro de horror, mas de outro gênero, como suspense, fantasia ou policial, por exemplo. O que acontece é que um livro de terror/horror não precisa, necessariamente, ter o medo como objetivo principal, como sua razão de ser. O medo pode ser elemento secundário, mas deve estar presente.
Além disso, existe uma sutil distinção entre os conceitos de “terror” e “horror”. De forma simplificada, podemos dizer que o terror tem mais a ver com elementos sobrenaturais e com a sensação de antecipação de uma emoção forte no leitor (como quando uma porta vai se abrindo lentamente na escuridão e, aflitos, não sabemos o que há por trás dela); o horror, por sua vez, é a emoção impactante propriamente dita, tendo mais relação com a aparição súbita e explícita do monstro grotesco que estava abrindo a porta para nos assustar com seus olhos esbugalhados, dentes pontiagudos e cabeça de medusa. Em certo nível, terror e horror são elementos que caminham juntos para a construção de uma boa história, assim como ocorre com o mistério e o suspense, na clássica diferenciação feita por Alfred Hitchcock (no mistério, eu pressinto que algo vai acontecer, mas não sei o que ou o porquê; no suspense, eu sei que algo vai acontecer e também sei o que vai acontecer, mas não sei quando ou de que forma, o que deixa meus nervos à flor da pele).
Embora todos esses conceitos sejam interessantes e importantes de serem conhecidos, na prática o que vale mesmo é o efeito que a história tem sobre o leitor. Conceitos são parâmetros que utilizamos para facilitar a compreensão e a comunicação, mas nenhuma boa história deve se limitar a eles. A criação pressupõe liberdade, e sempre podemos inovar, talvez até criar novos conceitos. Romper as barreiras dos gêneros é uma obrigação do bom escritor.

- Filósofo dos Livros: Seus personagens são baseados em pessoas reais?
- Melvin Menoviks: Costumo dizer que meus personagens são pedaços de mim mesmo. Eles são facetas de minha personalidade que ganham forma por meio da escrita, mas que crescem com vida própria e seguem seus caminhos bizarros sem a minha interferência.
Embora eu os tenha criado, é impossível afirmar com precisão o que são os personagens: eles são partes de mim, mas também são seres autônomos; eles saem de palavras sobre o papel, mas também são inteiramente reais; eles representam a maldade que há nos seres humanos, mas também a inocência que habita em seus corações; eles são criaturas exageradas e fictícias, mas também símbolos para a própria realidade... O que mais me fascina neles é justamente essa contradição que os constitui enquanto seres multifacetados, que não sei de onde vêm nem para onde vão. Eles são entidades maiores do que eu mesmo e que eu mesmo não compreendo por completo.
Para dizer em forma de enigma, digo que os personagens são espelhos – espelhos distorcidos e cobertos por sombras e névoas, mas, ainda assim, espelhos. Você vê neles o que há dentro de você. E não se preocupe se neles você encontrar perversidade, loucura e crueldade: isso tudo existe no ser humano. É importante conhecer o mal para ser não devorado por ele. Será que um monstro sabe que é um monstro? Será que sabemos do que somos capazes? Seríamos, todos nós, monstros disfarçados de seres pensantes e benevolentes?
A despeito dessa importância que confiro aos personagens, o que eu procuro criar nos contos, mais do que personagens interessantes, são atmosferas próprias e diferenciadas que transmitam emoções e sensações intensas ao leitor. Nesse contexto, os personagens são elementos necessários para a construção dessa “atmosfera”, e não apenas objetos que se exaurem em si mesmos.
Assim sendo, todos os personagens são baseados nas pessoas reais, mas cobertos pelo véu da fantasia.
Se pararmos para pensar bem no assunto, veremos que toda ficção é real, em certo nível. Stephen King mesmo já disse, no prefácio de algum de seus milhares de livros (acho que foi no “A Dança da Morte”, mas não tenho certeza), que “a ficção é a verdade dentro da mentira”. E ele está absolutamente certo.

- Filósofo dos Livros: Ao escrever um livro, como é o seu processo de criação? Você tem algum ritual? Costuma se isolar das pessoas? Existe algo que lhe atrapalha?
- Melvin Menoviks: O processo de criação varia bastante de conto para conto. Como sou propenso à experimentação, acabo sempre buscando maneiras novas de trabalhar. Além disso, cada conto tem sua vida própria e, ainda que eu me imponha algumas regras e limites na hora de escrever, é o conto que comanda o curso que ele vai seguir para ganhar a luz. Eu apenas escrevo e tento pavimentar esse caminho – às vezes com facilidade, às vezes na base da violência, tendo de remover de modo enérgico os obstáculos que surgem pela frente.
Como não escrevo por dinheiro, tenho liberdade para escrever no meu próprio ritmo e sobre o que bem entendo. Isso é bom por um lado, pois me dá a tranquilidade necessária para escrever apenas o que eu sinto que tem algum valor considerável, mas, por outro, provoca a tentação da preguiça e a do comodismo – tentações contra as quais luto com frequência, quase sempre com sucesso.
Quando estou no processo de construção de um conto, entrego-me totalmente a ele, de corpo, mente e alma. Para isso, temporariamente minha existência tem um único propósito: escrever o melhor conto de que sou capaz, custe o que custar. Não me satisfaço com resultados medianos e prefiro levar dez anos para escrever duas páginas realmente boas do que escrever dúzias de romances insossos em período menor. Minha forma de proceder, nesse caso, é minuciosa e quase artesanal. Escolho palavra por palavra, sempre atento ao significado, ao ritmo, à sonoridade e à vibração emocional que cada escolha provocará no resultado final. Nem sempre consigo o melhor resultado, e a perfeição é algo inatingível, mas só coloco o ponto final quando estou convencido de que fiz o melhor de que eu era capaz. É claro que existem pessoas que escrevem com maior qualidade do que eu agindo com bem mais displicência (estilo, dom e esforço são variáveis muito grandes de pessoa para pessoa), mas busco ser honesto comigo mesmo para criar o máximo e o melhor que consigo, sem me comparar com os demais, a não ser para encontrar boas influências.

- Filósofo dos Livros: Inspiração é algo que acontece naturalmente ou o escritor tem o poder de criá-la?
- Melvin Menoviks: Sobre inspiração, só tenho a citar as sábias palavras de Pablo Picasso: “a inspiração existe, mas precisa te encontrar trabalhando”. No meu caso, tudo me inspira, se eu estiver no estado de espírito certo: filmes, livros, músicas, imagens, esculturas, o próprio cotidiano, tudo isso tem algo a nos dizer, se soubermos captar a mensagem. Mas, para captar a mensagem, temos de estar atentos, e a verdadeira inspiração só aparecerá quando estivermos trabalhando, seja para compreender as mensagens, seja para construir nossas próprias mensagens.
Trabalho e inspiração, assim como técnica e vontade, não são coisas separadas e antagônicas, mas partes complementares para a boa escrita criativa. Se você tem um objetivo bem definido em mente e trabalha para alcança-lo, tudo é inspiração. “O universo conspira a seu favor”, igualzinho dizem os livros de autoajuda.

- Filósofo dos Livros: No Brasil, é possível que um escritor viva a partir de seu trabalho ou ele sempre terá que exercer uma atividade paralela para seu sustento?
- Melvin Menoviks: Não conheço nenhum escritor no Brasil que consiga viver só da venda de seus livros, e, se esses escritores existem, eu estou longe de ser um deles. Que eu saiba, há pessoas que ganham fama em outras áreas (como, por exemplo, jornalismo, televisão, blogs, etc.) e depois publicam livros e ganham dinheiro com eles. Agora, alguém que ganhe muito dinheiro sendo “só” escritor, isso, infelizmente, não existe no Brasil.
Parece-me que li em algum lugar que até hoje só existiram duas pessoas que conseguiram viver “só” de literatura no Brasil (Jorge Amado e Paulo Coelho), mas não estou certo dessa informação. Tomara que ela esteja errada! Para falar a verdade, nunca procurei saber sobre a renda dos autores de uma forma geral. Espero que a conjuntura tenha mudado e que eu esteja enganado em acreditar que não existam pessoas ganhando bastante dinheiro com literatura.
Seja como for, há muita gente por aí que merece ganhar bem mais pelo trabalho literário que faz...
(Observação: eventuais escritores iniciantes que estejam lendo essa entrevista, isso não significa que vocês tenham o direito de desistir!!!).

- Filósofo dos Livros: Qual é o seu conhecimento a respeito do atual mercado literário?
- Melvin Menoviks: Confesso que não tenho um conhecimento muito grande do assunto, mas sei que ele está crescendo. As novas tecnologias e a popularização das redes sociais estão favorecendo a comunicação entre os leitores e, consequentemente, gerando novos leitores. O problema é que o mercado literário brasileiro ainda está dominado por obras estrangeiras (que, em sua grande maioria, são feitas por equipes experientes que cuidam de cada mínimo detalhe do livro, não por um único autor que deve correr atrás de tudo e ainda não ser valorizado por isso, como no Brasil). Fica difícil concorrer dessa maneira. As imposições do mercado superam a boa intenção da arte. Por maior que seja o amor de um escritor pelo seu ofício, a ausência de retribuição financeira é dolorosa, e uma hora cansa. Artista também precisa se alimentar, se locomover, se vestir – e isso tudo custa dinheiro. Dinheiro e tempo. E tempo e dinheiro também são necessários para a criação e para comercialização de um livro (escrever exige investimento, pesquisa, leitura, esforço, busca por editoras, empenho de marketing, comunicação com leitores, organização de eventos, etc.). Ainda assim, acredito que, com perseverança, é possível transpor esse obstáculo, e tenho fé que o mercado literário brasileiro esteja abrindo espaço para superar suas deficiências históricas. Procuro fazer minha parte e incentivar as pessoas a fazerem as delas.

- Filósofo dos Livros: Fale-nos sobre seu livro. Qual é o tipo de terror encontrado nele? Qual seria seu conto predileto? Por quê?
- Melvin Menoviks: Creio que uma das melhores definições para o livro foi aquela dada pelo meu amigo-leitor Afonso Luiz Cardoso. Ele disse que “A Caixa de Natasha e outras histórias de horror” é "uma viagem pelo sobrenatural e pelo desconhecido através da escuridão da alma humana!". Eu não poderia dizer melhor. É uma síntese muito precisa.
O livro aborda desde o terror psicológico sutil até o exagero escatológico de sangue, tripas e carnificinas. Nos contos, procurei expressar todas as fantasias sinistras que habitam minha mente inquieta: sombras, sangue, mistérios, névoas, trevas e vísceras expostas são alguns dos elementos que permeiam as histórias, sempre voltadas para a loucura, para o fantástico e para o terror. Procurei, também, criar finais impactantes, que surpreendam o leitor e arrebatem-lhe o coração. Quero fazer com que os leitores sintam uma facada certeira no peito.
É evidente que seria muita prepotência de minha parte achar que todos os leitores vão olhar para os contos dessa maneira. A verdade é que os contos que escrevo são para me proporcionar diversão, tanto na criação quanto na leitura posterior, de forma que não posso esperar que eles sejam mais do que simples diversão macabra e um entretenimento diferente, pelo menos inusitado.
Desejo que os leitores fiquem satisfeitos com os mistérios e segredos que encontrarem nas páginas obscuras de A Caixa de Natasha.

- Filósofo dos Livros: Seus contos trazem mensagens ou são apenas para entretenimento?
- Melvin Menoviks: Em essência, os contos são para a diversão e para o deleite, mas espero que por meio deles eu esteja contribuindo com alguma mensagem relevante. Escrevo os contos para impactar a psicologia do leitor, para abalá-lo emocionalmente, para fazê-lo sentir uma forte reação e se surpreender com o que está lendo, experimentando sensações raras e estranhas. Essa é a meta, mas acredito que seja impossível alcançá-la sem transmitir alguma mensagem importante. E, às vezes até de forma involuntária ou inconsciente, acabo conduzindo as histórias por trajetos repletos de significados e mensagens, ainda que essas mensagens estejam ocultas e demandem certo esforço do leitor para alcançá-las. Neste ponto tudo vai depender da interpretação do leitor: de sua história de vida, de sua personalidade, de seu ânimo e interesse, de seu conhecimento de mundo, de sua inclinação para a reflexão... É na interpretação que a magia acontece, e aí está um momento em que o autor não tem nenhum controle sobre o que pode acontecer. O leitor é o maior responsável pela criação da mensagem de um livro.
Mas, em resumo, espero de verdade que, com meus contos, eu esteja levando algo de relevante para a vida das pessoas.

- Filósofo dos Livros: Já pensou em transformar alguns de seus contos em um romance? Qual seria?
- Melvin Menoviks: Não tenho interesse nenhum em transformar meus contos em romances. Eles nasceram para ser contos, e a estrutura de um romance é diferente. Dou total liberdade para minhas histórias terem o tamanho que for necessário para cumprirem com seus objetivos, e elas escolhem o que é melhor para elas – duas páginas, três páginas, quinhentas mil páginas: a escolha é delas. Além do mais, tenho certa aversão à vã prolixidade dos romances arrastados, desprovidos de conteúdo, e não quero que meus contos se tornem isso: se uma história pode ser escrita em quinze páginas, encompridar seu desenvolvimento sem um bom motivo é um crime contra a paciência do leitor. Além do mais, são poucos os romances longos que me interessam de verdade. Meu temperamento se presta mais à força da concisão do conto do que à habitual frivolidade sedutora dos romances. Mas isso é questão puramente pessoal. Questão de gosto mesmo, nada mais.
E veja bem: não estou dizendo que todos os romances são frívolos e desnecessariamente prolixos. Não é isso, de forma alguma! Há muitos romances fascinantes e geniais espalhados por aí, mas uma boa parte deles não passa de calhamaços repetitivos e enfadonhos feitos para mero consumo em massa – páginas e mais páginas como tantas outras que existem por aí: os mesmos personagens, os mesmos enredos, as mesmas emoções, apenas ligeiras variações... Também não estou dizendo que eu não leia romances desse tipo. Eu os leio (muitos!), e encontro grande diversão neles, mas meu maior interesse são os contos e as novelas, onde a concisão produz um brilho mais memorável e estimula a imaginação e a reflexão do leitor em detrimento à simples aceitação passiva das palavras do escritor (“O Homem da Areia”, do E.T.A. Hoffman, por exemplo, é maravilhoso e dá para ser lido em um só dia, ficando gravado na memória para o resto da vida; “A Hora e Vez de Augusto Matraga”, do Guimarães Rosa, é uma das melhores obras de toda a literatura brasileira e não tem mais do que cem páginas; o mesmo pode ser dito de “O Alienista” e “O Espelho”, ambos do Machado de Assis; “Notas do Subsolo”, do Dostoiévsky, é uma novela curta e possui mais profundidade psicológica e filosófica do que qualquer outro livro que eu conheço; três páginas de Guy de Maupassant valem mais do que trezentas de muitos romances de fantasia).
É possível – e muito provável – que eu ainda venha a escrever romances, mas os contos que já estão prontos, prontos estão. O máximo que talvez possa acontecer é haver a retomada de algum personagem ou de algum tema, mas com um tratamento diferente.

- Filósofo dos Livros: Ao resenhar sua obra “A Caixa de Natasha e outras histórias de Terror”, percebi traços da Filosofia de Platão e Schopenhauer. Você fez isso intencionalmente? Curte filosofia? Teve a influência de algum filósofo que eu não tenha captado?
- Melvin Menoviks: Tenho um leve interesse por filosofia. Tive mais na adolescência, já que agora estou um pouco distanciado das questões puramente filosóficas. Conheço apenas superficialmente os pensamentos de Platão e Schopenhauer, mas não nego que eles – em especial o segundo – tenham exercido influência em minhas reflexões. O filósofo que mais li até hoje foi Friedrich Nietzsche, e ele tem direta influência de Schopenhauer, então por isso você deve ter notado os traços da filosofia dele em alguns de meus contos. Também pode ser que os filmes que vejo e livros que leio tenham sido impactados pela obra do filósofo citado, de modo que, por intermédio deles, meus pensamentos se enveredaram por rumo similar.

- Filósofo dos Livros: As pessoas costumam dizer que fui muito original ao criar um livro cujo teor é o terror erótico. Entretanto, devo reconhecer que você fez isso antes de mim, por meio do conto “Obscuros Desejos”. Gostaria que você me falasse um pouco dele. Como surgiu a ideia de realizar um terror erótico?
- Melvin Menoviks: “Obscuros Desejos” é um conto que me deu bastante trabalho para ficar pronto. Foi o segundo conto que mais me perturbou para ser escrito (o primeiro, sem dúvida, foi “O Amigo Suicida”, que eu quase deixei de publicar por considerá-lo demasiadamente negro, sob o ponto de vista existencial, e excessivamente complexo no que se refere ao vocabulário e à sintaxe). Como eu era jovem e inexperiente na época em que esbocei a ideia de “Obscuros Desejos”, temi que escrevê-lo pudesse causar algum impacto negativo na minha mente e no desenvolvimento da minha sexualidade. Felizmente, apesar dos tormentos que ele representou para mim (cheguei a jogá-lo fora depois de escrever três parágrafos, vindo a retomá-lo depois de alguns meses), o efeito foi extremamente benéfico, pois possibilitou que eu trouxesse à luz da consciência questões que antes pairavam perdidas em uma região confusa da minha psique. É muito importante que nos arrisquemos nas vielas mais perigosas de nossa mente para nos compreendermos melhor e para que aceitemos o fato de que as outras pessoas também têm seus demônios internos.
Considero a sexualidade um assunto de fundamental importância na vida de qualquer ser humano. Nossa felicidade está condicionada à satisfação sexual, e a imaginação está profundamente ligada a questões sexuais. Pessoas inteligentes normalmente são mais criativas e curiosas nos quesitos sexo, amor e paixão, e o contrário também costuma ser verdade. Isso não é uma regra, é claro, mas o vínculo existe. Não explorarmos nossa sexualidade ou sermos proibidos de explorá-la causa transtornos, traumas, frustrações e todo tipo de distúrbio psicológico catastrófico. Ao estudar psicanálise compreendemos bem a força das pulsões sexuais, dos tabus, da ânsia transgressora e da própria inconsciência na vida das pessoas, e esse é um dos grandes temas do meu livro. Gosto de explorar a tênue linha que divide a razão da loucura, a realidade dos devaneios. Por isso, não havia como não abordar a sexualidade, que é o centro disso tudo.
Em “Obscuros Desejos”, o narrador-personagem passa por pungentes aflições e tormentos sexuais, mas ele nem sequer sabe o que é sexo. Observe que todas as descrições dos atos sexuais bizarros relatados pelo personagem são práticas que lhe eram incompreensíveis, mas atrativas e aterrorizadoras, já que ele vivia recluso em um porão e nunca teve um ensinamento sobre o que é sexo senão por livros esquisitos. Ele nunca pôde exercitar sua sexualidade senão por sua alterada imaginação incitada pelas perversões secretas da Lady Valquíria.
Existe outra história no livro que trata de tema semelhante, mas com maior sutileza. Refiro-me ao conto “O Garoto que Pingava Sangue”, onde o complexo desabrochar da sexualidade de um garoto pré-adolescente é relatado por meio de símbolos e metáforas sangrentas. Trata-se de um conto bastante freudiano.

- Filósofo dos Livros: Você está escrevendo algum livro? Tem novos projetos?
- Melvin Menoviks: Ainda é muito cedo para revelar... Novidades serão divulgadas, no tempo certo, na página do livro no facebook. O que posso adiantar é que o que virá será ainda mais assustador e aterrorizante do que o primeiro livro. Preparem-se!
Enquanto isso, recomendo a leitura da antologia “O Corvo: um livro colaborativo”, publicada pela Editora Empíreo em homenagem aos 170 anos do poema “The Raven”, do Edgar Allan Poe. Nesse livro colaborei com o conto “Phantasmagoria”, que é um dos meus preferidos.

- Filósofo dos Livros: As pessoas procuram livros de terror para sentir medo. Ao escrever seus contos, você experimenta algum tipo de pavor? Ou tudo é uma grande diversão e você ri com eles?
- Melvin Menoviks: Sou bastante suscetível às influências do terror, e isso desde que me entendo por gente. O terror me provoca medo e fascínio indescritíveis, incomensuráveis. Escrever histórias de terror significa vivenciar histórias de terror, explorando o desconhecido em lugares escuros e misteriosos, onde poucos se atrevem a adentrar. Por isso, sentir medo é condição indispensável para a transmissão do medo por meio de palavras. Mas isso não significa que não haja diversão. Muito pelo contrário: o terror também é uma enorme diversão!
Produzir literatura é mergulhar em águas profundas onde sentimentos, sensações, emoções e pensamentos de todas as espécies se misturam, se harmonizam e se chocam em paradoxos fantásticos, inimagináveis. O medo convive com a diversão, que convive com a repulsa, que convive com a atração, que convive com a dor, que convive com o prazer... e assim num espiral infinito, permeado de maravilhas inenarráveis.
Se não fosse assim, eu estaria exercendo outra atividade e já teria deixado de escrever faz tempo.

- Filósofo dos Livros: O que é preciso para escrever um bom livro de terror? Que elementos não podem faltar?
- Melvin Menoviks: Existe apenas uma regra para se escrever um bom livro, independentemente do gênero. Essa regra é: ser honesto consigo mesmo. Todo o resto não passa de sugestões que podem ou não funcionar, o que vai variar de pessoa para pessoa. O fundamental é se manter fiel às suas emoções e trabalhar com afinco para concretizar o obra. Dar espírito próprio a palavras sobre papel não é tarefa das mais fáceis.

- Filósofo dos Livros: O que causa medo em Melvin Menoviks?
- Melvin Menoviks: A violência na realidade, a mesquinharia e intolerância das pessoas, a falta de empatia, o tédio no cotidiano, a banalidade, a ausência de imaginação... Esses são os terrores mais pavorosos que existem, e tenho medo até de falar sobre eles.

- Filósofo dos Livros: Que conselhos você daria para os futuros escritores?
- Melvin Menoviks: Escrevam com amor, sejam fiéis aos seus objetivos, aproveitem ao máximo os mistérios da existência, aprendam com os obstáculos e, principalmente, divirtam-se muito! Literatura, como a vida, é uma grande brincadeira! Mas uma brincadeira que, também como a vida, deve ser levada a sério!

- Filósofo dos Livros: No Brasil, qual é o seu escritor de terror predileto?
- Melvin Menoviks: Vim a conhecer os trabalhos dos escritores de terror nacionais apenas de um ano para cá, e bem nesse período eu tive que diminuir o ritmo de minhas leituras em razão das obrigações que venho tendo na faculdade e no estágio. Mesmo com o escasso tempo que me restou para ler ficção, conheci um pouco do Cesar Bravo, do Everaldo Rodrigues, do Lucas Dallas, do Rubens Pereira Júnior, do Márcio Benjamin e do Clayton de La Vie, dentre outros. Agora vou conhecer seu livro e o do Paul Richard Ugo. Todos esses autores são excelentes e eu recomendo a leitura, mas ainda preciso de tempo para ler mais de suas obras. Fico muito animado com esse boom de bons autores. No próximo ano espero ter mais tempo para conhecê-los a fundo, e pretendo ir fazendo resenhas de seus livros no meu blog e no facebook.
Há um caso especial no Brasil que é o do Rubens Francisco Lucchetti. Ele é um verdadeiro mestre e tenho profundo respeito tanto pela obra quanto pela personalidade dele. Ele é um ser humano fantástico e eu tive a enorme honra de entrevistá-lo para o meu blog. Elogios são dispensáveis, nessa altura, para essa verdadeira lenda viva da pulp fiction brasileira. Seus livros são leituras obrigatórias para qualquer brasileiro, e não tenho dúvidas de que seu nome entrará para a história de nossa literatura, se é que já não entrou.
Posso mencionar, ainda, os clássicos (“Flor, telefone, moça”, de Carlos Drummond de Andrade; “Demônios”, de Aluísio Azevedo; “Noite na Taverna”, de Álvares de Azevedo, por exemplo), e, se pudermos classificá-lo como pertencente ao gênero “terror”, o poeta Augusto dos Anjos, que é um gênio ímpar da poesia.
Ah, e eu quase ia me esquecendo do Camilo Prado, que possui raro talento para a literatura heterodoxa e cujo apaixonado trabalho editorial não encontra paralelos em terras nacionais. O trabalho dele, tanto de escritor quanto de editor na singularíssima Editora Nephelibata, é verdadeiramente extraordinário.

- Filósofo dos Livros: Há um grande preconceito em relação aos autores nacionais. O que se pode fazer para acabar com isso?
- Melvin Menoviks: O que podemos fazer para acabar com o preconceito em relação aos autores nacionais? A resposta para isso você sabe melhor do que eu: comprar seus livros, lê-los, avaliá-los e recomendá-los amplamente. Comentar suas obras nas redes sociais, curtir suas páginas, seguir seus blogs, conversar com eles, enfim, participar ativamente nos círculos literários sempre ajuda. O trabalho de blogueiros e booktubers tem papel imprescindível nisso tudo. Aliás, devo enfatizar que vocês estão de parabéns no trabalho que fazem! Vocês têm minha total admiração e meu total apoio.

- Filósofo dos Livros: Como é o seu cotidiano? Você lê bastante? Pratica esporte? Exerce alguma atividade religiosa? Conte para nós.
- Melvin Menoviks: Meu cotidiano é bastante simples. Vou ao estágio, à faculdade, ouço música, vejo filmes, leio livros, procuro me divertir... Sou um ser humano dos mais comuns.
Não pratico esporte porque não gosto, mas deveria pelo menos caminhar um pouco mais e levantar alguns pesos. Embora seja batizado na igreja católica, não sigo nenhuma religião doutrinária, mas me considero uma pessoa profundamente religiosa à minha maneira. Tenho meus modos particulares de entrar em contato com o que chamo de divindade, mas esse é um assunto complicado que requer mais explicações do que sou capaz de fornecer nesta curta resposta. Cada pessoa tem um conceito diferente de “Deus” e de “religião” em suas cabeças, e, dependendo do conceito de cada pessoa, eu posso ser extremamente religioso, posso ser ateu ou até um adorador de Satã. Não me classifico nesse quesito, porque a classificação vai depender da interpretação de cada pessoa. Tenho minha própria religiosidade, e se quiserem colocar rótulos nela, que o façam, mas não contem comigo. Para mim é muito simples: nomes não importam, o que importa é a essência das coisas. Sou católico, ateu e satanista de uma só vez!

- Filósofo dos Livros: Quem é Melvin Menoviks? Como você se define?
- Melvin Menoviks: Para me definir, teria de me dividir em dois: um ser que observa e um ser que é observado. Mas, se fizesse isso, eu não seria mais eu. Assim, não me defino. Ninguém pode se definir. Aprendi isso com o cineasta surrealista Alejandro Jodorowsky, e esse ensinamento vem evitando que eu imponha desnecessários limites à expansão da minha personalidade.
Minhas características as pessoas vão conhecendo ao entrar em contato comigo e com as coisas que eu faço. Só assim elas vão me conhecer de verdade, se estiverem dispostas para tal. Minha vida é um livro aberto, mas requer boa vontade para compreendê-lo.
De qualquer forma, para não deixar a pergunta sem resposta, a melhor definição que posso encontrar para mim é a seguinte: sou um sujeito simples, mas com algumas esquisitices, que ama a ficção de terror e ama brincar de criar pesadelos obscuros por meio das palavras. Em resumo, esse é Melvin Menoviks.

- Filósofo dos Livros: Para finalizar, deixe uma mensagem para nossos leitores.
- Melvin Menoviks: Fico muito agradecido e honrado por vocês terem dedicado um pouco do tempo de vocês para conhecer mais sobre mim. Continuem ligados no blog do Fernando Nery, porque esse cara é muito gente boa e tem um amor inesgotável pela literatura brasileira contemporânea! Contribuirei com ele sempre que possível (quem sabe com algum sorteio?).

- Filósofo dos Livros: Foi um prazer enorme tê-lo entrevistado. Muito Obrigado.
- Melvin Menoviks: Fernando, sou um grande admirador de sua dedicação à literatura e de seu trabalho para disseminá-la por todos os cantos. Recebi com entusiasmo o convite para a entrevista e até agora me sinto agraciado pelo seu apoio ao meu trabalho. Sempre estarei. Não sou muito bom em agradecimentos, mas receba minha sincera gratidão e tenha sempre meu respeito. Avante ao Filósofo dos Livros!

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2 comentários:

  1. Excelente e de ótimo nível este entrevista. Estou grato pela citação de meu livro!

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    1. Fico feliz que tenha gostado, Paul! Sua presença aqui no blog é de grande importância para mim

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